Sunday, December 05, 2010

Monte Mor de Antanho - Causos - 19

HILÁRIO ZEBU

Era uma pobre pessoa que caminhava pelas ruas da cidade, e seu aspecto metia medo, principalmente às crianças. Andava arcado, segurando um cobertor e uma bengala. Diziam que um dia montou em sua mãe, como se monta em um cavalo e usando esporas. A pobre mãe então lhe rogou uma praga dizendo que ele só morreria quando estivesse andando com o nariz no chão. Por isso caminhava lentamente, numa posição em que seu tronco formava com suas pernas uma curva de noventa graus. Vez ou outra, parava gritando: “eu tô fedendo”.

Perguntava-se a ele:

- Hilário, o que você tem no pé?

E ele respondia:

- Dedo.

- E o que você tem no dedo?

- Unha.

- O que você tem na unha?

- Bicho.

Certo dia, conta-se que Hilário ia por uma estrada quando três jovens irmãos, que lidavam a terra, ao vê-lo, resolveram se divertir dizendo:

- Hilário, conta uma mentira.

- Agora não dá, estou indo para o sítio dos Elias.

- O que vai fazer lá?

- Vou avisar que morreu a Nha Chica da Serra.

- Pois então nem precisa ir, já avisou, somos da família.

Os irmãos deixaram o serviço e foram para casa avisar o resto dos parentes. Arrearam as mulas e pegaram a estrada de Elias Fausto onde morava a velha Chica. Lá chegando encontraram a senhora muito bem de saúde. De volta foram tirar satisfações com o Hilário que simplesmente lhes disse:

- Vocês não me pediram para contar uma mentira? Contei.

Outro dia, agarrado a um poste, gritava :

- Sai ou não sai? Sai ou não sai?

Atraídos pelos gritos, várias pessoas, curiosas, aproximavam-se buscando uma explicação para a cena.

Depois de algum tempo, quando o número de curiosos já era bem razoável, Hilário simplesmente, para delírio de todos, solta um estrondeante pum e diz:

- Saiu.

Formatura - Sproesser - 12/12/2007

Formatura da EE Antonio Sproesser – dez. 2007

Boa noite a todos.

Recentemente apareceu no quintal de minha casa um casal de rolinhas. Traziam gravetos e construíram um ninho bem na calha de uma lâmpada fluorescente da varanda. Ali a rolinha botou dois ovos, um saiu fora do ninho e se perdeu, o outro, carinhosamente foi chocado pelo pássaro. Sempre que a rolinha se afastava eu dava um jeitinho para observar o ninho. Depois de alguns dias o filhote nasceu. Os dias se passavam e o novo passarinho ia crescendo até que se tornou todo emplumado. Um dia, as asas já crescidas, ele voou livremente e foi construir sua própria vida.

A nossa vida é mais ou menos assim, chega um dia em que temos que voar com aspróprias asas e sair em busca da felicidade.

Aqui nós temos duas turmas de formandos, uma da 8ª série do ensino fundamental e outra da 3ª série do ensino médio. Para os formandos da 8ª série ainda não chegou a hora de voar, as asas ainda não estão emplumadas. No próximo ano com certeza estarão conosco para iniciar a outra fase, o ensino médio, quando estarão receberão as indicações dos caminhos que poderão seguir de acordo com as próprias opções. A escola não oferece fórmulas prontas a seguir, mas indica caminhos que possam ser trilhados, que com certeza levam à um só lugar, à felicidade.

Vou lhes contar uma historinha: “Em um lugar distante, vivia um sábio famoso pelo conhecimento e pelos conselhos que dava. Um dia, uma menina muito esperta resolveu que poderia enfrentar e vencer o sábio. Disse aos seus amigos: ‘Vou colocar uma pequena borboleta em minha mão e perguntar ao sábio se ela está viva ou morta. Se ele disser, está viva, eu a esmagarei com a mão. Se ele disser está morta eu abrirei a mão e ela voará livremente. E o sábio errará.’ Assim fez, tomou a borboleta na mão e foi em busca do sábio. Ao encontrá-lo, perguntou : ‘Sábio, a borboleta aqui na minha mão está viva ou está morta?’. O sábio olhou ternamente para menina e com toda a sua sabedoria disse: ‘ A resposta está em sua mão’”.

Pois é, meus queridos formandos do ensino médio, agora o caminho a seguir está em suas mãos. A escola procurou indicar esses caminhos, agora cabe a cada um escolher o melhor deles e seguir em frente.

Os conselhos que vou dar agora se fundamentam apenas na minha experiência e nas minhas observações.. Vamos a eles.

É importante sonhar e sonhar grande, traçar uma meta e seguir em frente. Os obstáculos serão maiores ou menores, mas reais. Porém, não se preocupem com eles, preocupar-se com eles é o mesmo que tentar resolver uma questão de física nuclear usando a fórmula de chupar pirulito.

Aproveitem ao máximo essa linda fase da vida, a juventude, e tenham certeza que daqui a trinta anos vocês vão pensar nas oportunidades perdidas, mas já será tarde. Por isso não as deixem escapar. Uma coisa é certa, vão olhar suas fotos de hoje e dizer: “eu era bem bonitão”, ou “eu não era tão gorda como pensava”. Ainda vão dizer a seus filhos: “no meu tempo era tudo diferente, eu não colava na escola, obedecia meus professores e passava várias horas por dia estudando muito”. Será?

É importante cuidar da saúde, praticar esporte, fazer exercícios físicos, ou daqui uns tempos não conseguirão amarrar os próprios sapatos.

Vocês podem se casar ou não. Mas sejam ousados, ou dirão mais tarde: “se eu não fosse um ‘babaca’, teria me casado com aquele tesouro, agora vejam só a mala que arrumei!” Mas é mentira quando dizem que as sogras são más. Tenham certeza que existem algumas boas.

Não fumem.

Amem loucamente seus pais. Todos os dias abracem-nos e digam aos seus ouvidos : “Eu te amo meu pai, eu te amo minha mãe”. Digam antes que seja tarde. A importância dos pais vocês só vão saber realmente quando não os tiver mais.

Evitem bebida alcoólica.

Sorriam, sorriam muito, o sorriso melhora a beleza, enobrece a alma e traz simpatia. Tratem todas as pessoas com carinho com palavras de elogio que engrandecem e elevam o ego. O elogio faz bem para quem ouve e para quem diz. Nunca usem palavras que possam magoar ou depreciar as pessoas.

Sejam honestos.

Sejam solidários, ajudem os mais necessitados. Lembrem-se que a cada segundo morrem três pessoas de fome no mundo e vocês podem diminuir esse número. Afinal somos todos companheiros da mesma viagem.

Respeitem a namorada ou o namorado.

Não se esqueçam da natureza, a sua preservação depende de nossas ações e nossa vida depende dela. Tratem a natureza com um profundo amor, como se trata a pessoa mais querida. Lutem por ela, defendam-na como se defende a própria mãe.

Pois é, meus tesouros, eu poderia ficar aqui falando muito mais, mas como dizem que discurso de formatura é a coisa mais maçante que existe, acho bom parar.

Antes, porém, precisamos lembrar das pessoas que fazem a escola funcionar. Olha que time: Rosa, Zenaide, Darci, Sueli, Cleide, Francisca, Cristina, Valéria, Giane, Solange, Neuza, Tatiana, Édna, nenhum homem, todas mulheres, e maravilhosas, que cuidam da cozinha, da limpeza, da cantina, da organização dos alunos, da secretaria, da biblioteca. São nossas deusas, sem elas estaríamos perdidos.

Os professores e as professoras, são tantos que não poderia falar o nome de todos agora. Elas, amo de paixão, eles são amigos de coração. Todos capacitados, comprometidos com o trabalho e prontos a colaborar. Todo ano, uns chegam outros se vão, pena. Alguns, pouco vejo, mas só em saber que eles existem me faz imensamente feliz.

Os coordenadores, professor João, amigo do período diurno e a Sônia, que além de coordenadora sabe fazer uma torta tão maravilhosa! Vocês nem imaginam.

A vice-diretora é a Isabel, carinhosa com os alunos, sempre simpática com os professores. Nosso diretor, é o Parra, muito correto, e diante das circunstâncias ora é durão ora é dócil em relação aos alunos.

A todos da família Sproesser ofereço, simbolicamente, uma rosa vermelha como sinal da minha paixão, a todos os alunos ofereço meu amor embrulhado com as cores do arco-íris e enfeitado com o brilho das estrelas, aos pais e a todos os presentes ofereço meu carinho irisado com as cores do Natal.

Um grande abraço a todos, e que este Natal e os dias do próximo ano sejam marcados por muitas maravilhosas e deliciosas surpresas.

Obrigado.

Prof. Nelsinho.

12/12/2007

Monte Mor de Antanho - Causos 18

Caridade

Batista nunca foi de fazer caridade. Tinha uma cara de poucos amigos, não enjeitava uma briga e usava uma corrente para se safar delas. Era, porém, pessoa de posse, comerciante respeitado, honesto, bom pai de família e segundo diziam, gostava de um carteado. Afinal todo mundo tem defeitos e entre os de Batista esse era o mais “cabeludo”*.

Falava pouco, estava quase sempre só, não freqüentava rodas de amigos, mas dia sim dia não, visitava a barbearia do Juca, na praça central da cidade, para fazer a barba, aparar o bigode e de quebra cortar os fios dos pelos que teimavam em sair do nariz e outros que afloravam dos buracos dos ouvidos. Os cabelos, cortava a cada vinte dias, sempre segundo o estilo militar. Costumava andar bem vestido, sempre de terno de linho no verão e casimira no inverno. Na cabeça um chapéu de feltro, cor cinza claro, e nos pés sapatos marrons, bicos finos, de cromo alemão da marca Scatamáquia, a mais desejada da época, e muito bem lustrados.

Numa dessas visitas ao Juca, a barbearia ficou lotada depois que Batista sentou-se na quarta e última cadeira vazia. Cumprimentou os presentes, acomodou-se e permaneceu taciturno*. Vez ou outra, porém, respondia a uma pergunta para em seguida abraçar o silêncio.

Isso foi até o momento em que, contrariando radicalmente seu comportamento habitual, disparou a contar uma história:

- Hoje o dia foi meio complicado.

Silêncio.

- Vocês sabem, sou viúvo, moro sozinho e a solidão às vezes me deixa meio aturdido, meio abichornado*. Não tenho dormido muito bem, acordo de madrugada, levanto, dou uma mijada no meu urinol* de porcelana importada e filetada a ouro – urinol pra mim tem que coisa boa, nunca vou mijar numa porcaria de ágate* - deito de novo, mas quase sempre perco o sono. Essa madrugada acordei quatro e meia e não dormi mais. Levantei, fiz café, tomei um gole, quando chegou o Mário padeiro. Comi duas fatias do pão com mais um xícara de café e liguei o rádio para ouvir o programa do César de Alencar. Estava tocando uma música com a Emilinha Borba. Aquilo que é mulher, não essas coisas que a gente vê por aqui. Arrasto um trem por uma gostosura daquela.

Nicola interrompeu dizendo:

- Uma cantora daquela não é pra nosso bico Batista! Ela deve ter tantos homens quanto quiser e todos cheios da bufunfa*!

- Sei disso, mas que sinto tesão por ela não posso negar, o que fazer? Ainda mais que estou viúvo e carente!

Feita a observação Batista continua.

- Pois é, como dizia, estava ouvindo o programa do César de Alencar quando bateram à minha porta. Ao abrir, deparei com uma linda ragazza*, com uns farrapos cobrindo aquele corpinho, tipo Emilinha, que não devia ter mais que trinta e cinco anos, e que foi logo dizendo:

- Bom dia senhor. Será que o cavalheiro poderia me ajudar? Estou passando por um triste momento.

- O que lhe aconteceu? – Perguntei.

- Se o senhor permitir passo a contar minha triste história.

- Pode contar, sou todo ouvido.

- Já fui muito rica. Meu pai me deixou grande fortuna, uma fazenda de dois mil alqueires no sul de Goiás. Tinha mais de mil cabeças de gado, grande plantação de milho e feijão e uma linda e confortável casa. Vivia muito bem e feliz, rodeada por muitos empregados que cuidavam das tarefas da fazenda. Lá tínhamos até uma escola para os filhos dos colonos.

- E depois?

- Pois é, certo dia conheci um rapaz da cidade, muito bonito, muito bem vestido e perfumado e que se dizia advogado. Depois de uma breve conversa marcamos um encontro para a semana seguinte. Desse segundo encontro nasceu um namoro que acabou em casamento. O primeiro ano foi maravilhoso, mas depois começaram os problemas que me levaram a essa situação em que me encontro agora. Na verdade meu marido era um espertalhão, mulherengo, jogador e viciado em uma cachaça. Em pouco tempo, antes mesmo que eu tomasse conhecimento o desgraçado me deu um golpe, vendeu tudo o que tínhamos e deu no pé. Hoje não tenho nem o que comer, vivo da caridade das pessoas de sensibilidade. Nem uma casa decente para morar, vivo me escondendo em qualquer buraco que encontro pelo caminho.

- Não deixei que ela continuasse sua história. Fiquei tão emocionado e com um nó na garganta. Eu, homem que nunca chorou, confesso, quase o fiz. Sem mais delongas convidei-a para entrar.

- O senhor vai me ajudar?

- Evidentemente. Isso não pode ficar assim, onde já se viu uma moça como você vivendo dessa maneira, com essa carência toda?

Nessa altura, todos os presentes, emudecidos e assustados com essa atitude incomum de Batista, nem notaram a presença do Nestor parado na porta, coçando o saco sem entender o que estava acontecendo e observando a cena: Monteiro, boca aberta, Luizão piscando sem parar, alimentando seu tique nervoso, Romão, com uma das mãos segurando o chapéu, com a outra coçando atrás da orelha esquerda e o Nicola roendo as unhas, o que lhe era costumeiro. Juca parado com a navalha na mão e o Noca, o cliente da vez, acomodado na cadeira do barbeiro mostrava pelo espelho uma meia cara ensaboada e outra raspada.

Diante desse cenário, Batista concluiu seu relato.

- Pois é, levei a moça pra dentro da casa, dei um banho, umas roupas da finada, um café reforçado e de quebra passei o ferro nela.

Monte Mor de Antanho - Causos -17

A missa.

Genor e Beínha eram irmãos. Solteiros, nunca se separaram, mesmo depois da morte dos pais. Quando estavam bem velhos foram internados no asilo local. Pobres, simples, analfabetos, os dois eram muito conhecidos na cidade.

A casinha branca pelo cal que cobria as paredes de taipa de mão, rebocadas com estrume de gado, agarrado ao emaranhado de bambus e cipós, telhado sustentado por caibros e vigas de pau roliço de madeiras de pouca valia, telhas feitas nas coxas, uma das paredes escoradas por um galho de goiabeira, era o palácio construído pelos pais de Genor e Beínha. Ali morava a felicidade de quem não conhecia os desmandos da idiotice humana.

Nunca conheci o interior daquela casa, mas com o perdão de Deus, pelo julgamento que agora faço, baratas e outros seres não muito simpáticos, deviam conviver com eles. Essa minha conclusão tem seu fundamento no caso que agora exponho:

Genor era católico e costumeiramente freqüentava a igreja. Como naquela época nenhum fiel adentrava um templo, durante as cerimônias religiosas, sem portar um terno, mesmo nos dias mais quentes do ano, ainda que fosse confeccionado com o pesado tecido conhecido por casimira, lá foi nosso personagem assim vestido, para assistir à missa do domingo. Sapato preto, sola enlameada pelo barro das ruas, resultado da chuva que caíra no dia anterior, e chapéu na mão, porque entrar na igreja com chapéu na cabeça era visto como um grave desrespeito à casa de Deus. Aliás, o chapéu era um assessório que fazia parte do bom vestir e praticamente todo homem trazia-o sobre a cabeça, mas era de bom alvitre tirá-lo sempre ao entrar numa residência ou numa loja ou em uma repartição qualquer.

O terno, azul claro, meio desbotado pelo uso, um pequeno remendo na perna esquerda da calça, os bolsos do paletó com marcas enegrecidas nas bordas e uma gravata carijó amarrada no colarinho encardido da camisa quase branca.

Na igreja, permaneceu em pé, encostado a uma das colunas sustentadora do prédio, já que o salão estava repleto de fiéis. Passado algum tempo, Genor começou a se mexer. Mexe, remexe, sacode pra cá, sacode pra lá, se torce todo. As pessoas que assistiam a cena começaram a se preocupar. Os que estavam mais próximos trataram de se afastar enquanto o Genor se chacoalhava todo. Depois de tantos trejeitos solta o braço direito com toda sua força expulsando da manga de seu paletó, uma pré-histórica barata. O inseto alça vôo e se acomoda no branco véu que cobria a cabeça de uma beata concentrada no jenuflexório logo à frente do padre. A “veia” deu um grito, acordando todo o povo que fingia assistir a missa. O sacristão tenta matar o bicho, o coroinha enrosca o pé e cai derrubando uma vela acesa, pega fogo na tolha do altar, aí a festança foi geral. A missa acabou mais cedo.