Thursday, October 07, 2010

Monte Mor de Antanho - Causos - 11

Suspensórios – a prova do crime

Cidade pacata do interior, a televisão ainda não chegara e os únicos divertimentos eram os passeios pela praça aos finais de semana e, vez ou outra, uma sessão de cinema. Agora, o que fazia a cidade desassossegar, era o anúncio de chegada de um circo. O disque-disque andava mais que notícia ruim. A criançada, então, não largava as saias das mães, ou torrava a paciência dos pais com as famosas perguntas:

-Mãe, "ocê" me leva no circo? Eu quero vê o “paiaço”.

-Pai, o Tião “falô” que tem um montão de bicho. Macaco, leão, girafa e até cachorro que fala.

-Sai pra lá criança, onde já se viu cachorro “falá”?

E a conversa ia por aí afora.

Deixando as crianças de lado, os adultos já nem trocavam bom-dia ou boa-tarde. O que se ouvia era:

-E o circo, será que vem “mermo”?

-Tão “falano” que a estréia é sexta-feira.

-“Disque” tem elefante, gorila e um “casar” de leão que veio da África. Nem sei onde fica essa “tar” de África, “mai disque” é verdade.

-Eu já vi retrato de leão no “arbo” de figurinha do meu “fio”. Quero ir nesse circo pra “vê” o bicho de verdade.

-O “nhô” Zeca Sabino disse que assistiu esse circo lá em Rebouças e que o “tar é bão mermo”. “Vamo esperá pra vê”.

Enfim, o circo estava para chegar, e havia coisa melhor?

Bem, esta história não tem nada a ver com circo, apesar de que o mesmo vai ter uma participação, embora pequena, mas importante, no resultado final. Tudo começou com o Juca, moço bom, honesto, trabalhador e solteiro.

Era lá pelos anos quarenta e o moçoilo chega aos dezoito anos. A vontade de mulher há muito lhe arrebitava as calças. Mulher era raridade, dinheiro mais ainda e o prostíbulo era um conto de fadas. O negócio era se virar com as éguas. Era de graça, não apresentava perigo, a não ser que o dono do animal aparecesse na melhor hora.

Juca não podia ver uma fêmea de quatro pernas para já imaginar um barranco. Botava nomes próprios nas suas preferidas. Diziam que algumas até lhe conheciam.

Pois é, essa era a saída para se livrar daquele desassossego que aperta o peito, sobe e desce pelo espinhaço e deixa a gente numa danação sem dó. Mas, para se arrumar com as bichanas era preciso um companheiro. É muito difícil realizar o evento sem a participação de um amigo, a não ser que o lugar seja muito apropriado e tenha onde amarrar a escolhida, e ainda é importante que a coisa fique de frente ao barranco, porque barranco é fundamental, sem ele nada feito. O que pode resolver, na falta do barranco, é um cupinzeiro, alguns encaixam na altura. Agora, como nem sempre é possível uma estaca para prender a gostosa, o companheiro de Juca era o Landão, que primeiro segurava o cabresto. Depois era o Juca que segurava a corda, afinal quem consegue assistir uma coisa assim sem ficar doidão da vida?

Deixando todas essas dificuldades de lado, Juca sempre dava um jeito para se livrar daqueles arrebites da calça.

Num domingo qualquer Juca amanheceu daquele jeito, numa danação que dava pena. Quando a tarde chegou, toda preguiçosa, o moço, desalentado vai lá pelos lados do rio Capivari. Passava perto da ponte seca quando viu uma burrica nova que ainda não fora sua, e ajeitada. Não deu outra. Estava com sorte, a burra era mansa, aceitou os afagos e lá foram pra debaixo da ponte. E para completar ela era baixinha e uma pedra encaixou direitinho. Juca tirou os suspensórios, passou no pescoço da burra e amarrou a tal no moirão da ponte. Beleza.

Tudo nos conformes,”mandou brasa”. Mas como muita sorte dá para desconfiar, naquela horinha boa, passava por cima da ponte os carros daquele circo, lá do começo da história, e para o azar do Juca foi justamente o carro puxando a jaula do leão que se atreve a cruzar a ponte no momento crucial. O leão, como não podia deixar de ser, sentiu o cheiro de carne fresca, da burrica é claro, e solta um tremendo rugido.

A burrica assustou-se, deu uns pinotes, saiu correndo e levou os suspensórios do moço deixando-o ao sabor das mãos. Dia seguinte o proprietário da burra - não se sabe como descobriu o enredo da coisa - vai ao serviço do Juca devolver os suspensórios. Pra quê? Aí todo mundo perguntava ao noivo quando seria o casamento, afinal ele tinha deflorado a burrica que, segundo seu dono, ainda era virgem.

1 Comments:

At 5:30 AM, Blogger J.Reinaldo Rocha said...

Nelson,
Até os 7 anos eu morei numa fazenda. Era muito pequeno para entender quando alguns adolescentes falavam sobre a "égua barranqueira".
Só quando já estava na cidade (lá pelos 10 anos) é que fiquei sabendo do que se tratava. Mas, aí já era tarde...rsrsrs

 

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