Wednesday, November 24, 2010

Monte Mor de Antanho - Causos -16

O Galos: duas histórias.

Segunda

Este galo ganhei de um amigo sitiante. Já era adulto. Belo animal, dono de um porte elegante, exibia-se com muita galhardia. Era extremamente dócil e gostava da companhia humana. Estava sempre cocoricando próximo a alguém.

Por falta de espaço em minha casa, levamos o próprio para nossa chácara. Meu pai, quase todos os dias trabalhava a terra, cultivando algumas plantinhas, tendo sempre ao seu lado o pomposo amigo.

Não tínhamos galinheiro na chácara, por isso, ao entardecer papai prendia com uma cordinha, uma das pernas do galo ao pé de uma mesa que ficava dentro de um rancho onde guardávamos as ferramentas. Isso causava alguns transtornos, pois todos os dias, invariavelmente papai precisava ir até a chácara, distante quatro quilômetros, mesmo que fosse somente para soltar e tratar da ave. Além disso, era preciso limpar toda a sujeira que sobrava sobre o piso do rancho. Isso não era vida, nem para meu pai, nem para o galo.

Dona Maria e seu Antônio eram nossos visinhos. Gente boa. Possuíam muitos galináceos confinados em um cercado ao lado da casa. Certo dia, preocupado com a vida do simpático e querido amigo, pai resolveu falar ao seu vizinho:

-Seu Antônio, será que o senhor poderia abrigar o galo no seu galinheiro? O bichinho sofre toda noite amarrado ao pé da mesa lá dentro do rancho.

-Ô seu chico, pode da cá o emplumado que nóis cuida dele.

-Assim aconteceu, o galo, contra a vontade, foi fazer companhia a outros de sua espécie.

Alguns dias depois, papai foi cuidar de sua horta. Sol a pino, hora da bóia. Antônio chega até a cerca e diz:

-Seu chico chega mais pra cá um pouquinho.

-Que foi seu Antônio?

-Sinhô num armoçô inda?

-Não seu Antônio, tava esquentando a bóia.

-Intão foi bão. O sinhô pode cumê um pedaço do galo. Maria tá cabano de fritá o tar.

Pai não teve coragem.

Monte Mor de Antanho - Causos - 15

Os galos : duas histórias

Primeira

Éramos crianças. Certo dia chuvoso, eu, meu irmão e um primo encontramos um pintinho todo molhado e prá morrer de frio. Morreria mesmo. Cuidamos dele. Aquecido e alimentado, recuperou as forças, cresceu, virou galo. Todos os dias, desde aquele primeiro, nós o enrolávamos em um pano e o colocávamos em uma caixa de sapatos para dormir. Acostumou mal. O tempo passou, virou franguinho, depois frangão e finalmente tornou-se um belo galo, forte, colorido, garboso. Crista carnuda, asas curtas e um invejável par de esporas. Apesar de toda sua pompa, era carinhoso, cheio de dengo e nunca perdeu o vício de dormir enrolado em um pano. Para facilitar arrumamos um saco de estopa com o qual o envolvíamos. A todo entardecer lá vinha o emplumado buscando seu saco de dormir.

Gostava de humanos, deixava seus pares para acompanhar a gente. Morávamos em uma chácara e a galinhada vivia solta pelo quintal. Bastava aparecer alguém e nosso amigo já lhe fazia companhia. Estava sempre procurando carinho e calor humano.

Nessa época meus pais, em todas as manhãs dirigiam-se ao curral para ordenhar algumas vacas. Imagine quem os acompanhava? Foi o grande erro do galo. Certo dia, enquanto meu pai tirava o leite da Calçada, bela vaca holandesa, que produzia mais de dez litros de leite por dia, minha mãe cuidava do bezerro, o galo passeava por entre os animais. Aí aconteceu a tragédia. Uma vaca distraída pisou-lhe o pescoço. Morreu na hora.

Enterramos nosso amiguinho no fundo do quintal, perto da última mangueira, onde jaziam o meu cachorrinho Lulu, que morreu engasgado por uma cabeça de peixe cascudo, duas angolinhas que não vingaram e o tuim que o gato matou. Sobre o túmulo coloquei uma pequena cruz feita com lascas de bambu enfeitada com pequeninas flores silvestres que colhi ali perto, debaixo das goiabeiras.

Monte Mor de Antanho - Causos - 14

O NOME

Luís da Câmara Cascudo em seu livro “Made in África” (Rio de Janeiro 1965) cita Afrânio Peixoto, que colecionou em “Miçangas” (1931) uma série de nomes deveras interessantes, tais como: Lança-Perfume Rodometálico de Andrade, Abrilina Décima Nona Caçapavana Piratininga de Almeida, Azarias Califrouchon Borges Neuplides Panteon, Sindalfo Calafange Catolé da Assunção Santiago, Comigo é Nove da Garrucha Trouxada, Francisco Facada Sargento de Cavalaria. O mesmo livro de Cascudo ainda apresenta Alfredo de Sarmento, em “Sertões d’África”, que registra os nomes dos ministros do rei do Congo em 1965: Calisto Sebastião Castelo Branco Lágrimas da Madalena Ao Pé Da Cruz Do Monte Calvário, Geraldo Zilote Manuel Arrependimento De São Pedro No Côncavo Da Terra, Cristóvão de Aragão dos Vieiras da Feliz Memória, Miguel Tércio Pêlo de Três Altos Para Borzeguins Que Cobrem os Pés Del-Rei Meu Senhor, Rafael Afonso de Ataíde Como Cedro do Monte Líbano.

Pois é, nome é coisa séria, e os exemplos primorosos acima citados certamente causavam problemas aos seus donos, como no caso que agora passamos a discorrer.

Nossa contemplada é dona Valgina. Sempre havia alguém para lhe encher o saco por causa desse nome. Certo dia Val, como gostava de ser chamada, vai a uma entrevista de emprego:

-Seu nome?

-Valgina.

-Como?

-Valgina.

-Curioso. Onde seus pais encontraram esse nome?

-Mistura de seus nomes, Valdemar e Gina.

-Entendi.

-Mas isso não é nada, o pior vem agora, disse Valgina.

-Como assim? - Perguntou a entrevistadora.

-Só para você ter uma idéia, meu pai chama-se Valdemar Pinto Moreno e minha mãe Gina Sacco.

-Credo! Então você é Valgina Sacco Pinto Moreno?

-Nem tanto, na hora meu pai deixou o sacco de lado

Monte Mor de Antanho - Causos - 13

O SUPOSITÓRIO

Certo dia Zurmiro foi ao médico reclamando de dores abdominais. Depois da consulta o doutor lhe indicou, como tratamento, o uso de um medicamento apresentado em forma de supositório. Comprou e usou. Como não se sentiu bem, voltou ao médico e foi logo dizendo:

-Ô seu dotô, esse tar de supro..., supro..., esse negócio que o sinhô mandô eu usá, não tá seno muito bão não.

-Porque seu Zurmiro.?

-Pruquê num sei seu dotô, presque num tá... num tá curano eu.

-O senhor usou direitinho?

-Direitim, jeitim que o sinhô mandô.

-O senhor está com o remédio aí?

-Taqui o bichinho.

O médico tomou nas mãos o supositório e disse:

-Vamos ver como o senhor está usando.

-Ô seu dotô, num fica muito bão eu colocá esse tróço qui na frente do sinhô.

-Não seu Zurmiro., o senhor não vai colocar aqui, quero apenas saber como o senhor está usando.

-Ah bão, intendi. Eu pego o tarzinho aí ... até da vergonha de falá dotô, mai, mai eu infio lá, né dotô.

-Mas o senhor coloca assim como ele está?

-Sim mermo dotô, dessejentim. E oi dotô, essa azinha de lado doi pá burro. O sinhô num magina!

Então já sei o que está acontecendo seu Zurmiro, se o senhor não tirar o supositório dessa embalagem plástica não vai dar certo mesmo, e vai doer.

Monte Mor de Antanho - Causos - 12

O VELORIO

João do grupo era mais conhecido do que notícia ruim. Nem seria necessário dizer o porquê, trabalhava no único grupo escolar da cidade. Embora não fosse de muito falar, era cidadão honesto, amigo de todo mundo e amante de uma boa pescaria.

Certo domingo, logo de manhã, bateram à porta de sua casa. Era compadre Carlito, que ao vê-lo, foi dizendo:

-Ué compadre, mecê não morreu?

-Acho que não cumpadre, a num sê que foi agorinha mermo e eu ainda não dei conta do acontecido.

Carlito continuou:

-Comadre nhana do Zeca foi cedinho avisá lá em casa que mecê tinha partido dessa para melhor. Eu inté vinha pensando no caminho que ia vê mecê sozinho, deitadinho no caxão! Matutei muito cumé que comadre Maria, muié inda nova, ia se virá pá arresorvê seus pobremas sem o cumpadre! Mai num faiz mar, fica pra outra veiz. Inté cumpadre.

-Inté, - respondeu João.

Alguns minutos depois chega o Chicão. Ao ver João vai logo dizendo:

-Mecê ta vivo?

Ao que João respondeu:

-Pois é Chicão resorvi num morrê hoje, fiquei com medo e deixei potro dia.

-Foi bão assim cumpadre. Até vinha cismando no caminho que se mecê tivesse morrido quem ia sê meu cumpanheiro de pescaria no poção do Batata? Inda mais agora que tá dano muito lambari lá na curva do poço.

-Num foi dessa veis, disse João.

-Intão, já que mecê não bateu as botas, tô indo imbora Já tá quase na hora do armoço.. Estimo melhora pô cumpadre.

Passados uns quinze minutos, alguém grita lá fora:

-Nhá Maria!

Maria abre a porta e Joaquina do Antenor, conhecida como Quina, com as duas mãos ocupadas e os olhos marejados de lágrimas aproxima-se dizendo:

-Dá um abraço Maria, pruquê to cas mão ocupada. Fazê o quê, pá morrê basta ta vivo.

-Entre nha Quina, disse Maria.

A sala estava arrumada como de costume. Então Quina disse:

-Ué, onde tá o caxão?

João, lá da cozinha responde:

-Num chegô inda nhá Quina. Sente pá esperá.

Quina amarelou-se toda, engoliu seco e falou:

-Maria de Deus, o que tá acontecendo?

-Que eu sei num ta’contecendo nada, nóis é que tamo sustado co’esse negócio de que João morreu.

-Mai tá o maior zum-zum de que ele morreu de morte morrida. De verdade mermo! Inté já marcaram a hora do interro! Aí fiquei matutano que a casa tava cheia de gente e mecê muito’cupada rodeano o caxão e intão nem fiz armoço pá podê fazê uns bolinho de chuva e esse bule de café pá mecê servi no velório.

-Num sei de onde o pessoar inventou isso nha Quina. João andô de buxo virado e inté insaiou, mai por’inquanto num morreu.

-Maria do céu, que qué isso? Mai foi mió assim, num é mermo Maria?

-É Quina, num quero nem pensá.

-Bão, já que João ta pronto p’otra tô indo imbora. Vô levá o café e os bolinho pa criançada, pruquê eles queria cumê e eu falei: - jeito nenhum! Isso é pô velório de João da cumadre Maria.

-Inté cumadre.

Minutos depois, uma cartolina pregado na porta:

“Num morri hoje, deixei potro dia”.

Assinado: João